quinta-feira, 17 de outubro de 2013

A violência político-militar no Rio de Janeiro

Fico me perguntando qual o motivo da polícia militar - a despeito de ser militar - usar tanta violência contra os manifestantes. Alguns poderiam dizer, convictamente, que é tão-somente por causa de um grupo de vândalos. Dito isso, a resposta estaria dada e a violência justificada. Mas, supondo que isso encerrasse a questão, o uso excessivo da força policial não alarmaria a população por quê? Os moradores de Laranjeiras, por exemplo, já sofreram mais de uma vez e, principalmente, já presenciaram o que a polícia faz contra manifestantes ou não, Black Blocs ou não. A violência da polícia militar do Rio de Janeiro - a mais violenta do mundo - já não se restringe às favelas e/ou aos bairros do subúrbio, locais onde, desde sempre, a polícia fez o que quis porque, no final das contas, os mortos eram negros, pobres e, no frigir dos ovos, traficantes. Mais uma vez se justificaria a ação criminosa de nossa polícia, pelo menos aos olhos de uns. 
O que me surpreende mais não é a violência da polícia em si. Muito menos ela agora ser praticada, aos olhos de todos, no Centro da cidade e na zona sul. O mais espantoso é ainda haver um número grande de pessoas que se calam diante dos abusos cometidos. É claro que a mídia hegemônica vem cumprindo seu papel e alienando a população - que se deixa alienar, convenhamos. O discurso de que a Rede Globo e demais veículos midiáticos iludem seu público é verdadeiro, por um lado, mas extremamente paternalista, por outro. A internet está aí para mostrar um outro ponto de vista ao qual qualquer um pode ter acesso. As pessoas estão na rua dividindo experiências, basta se dispor a ouvir criticamente o que acontece, de ambos os lados, e deixar de ser refém da televisão. Basta abrir os olhos.
Voltando aos atos criminosos de nossa polícia nas favelas e comunidades mais carentes, sempre foram justificados porque eram uma resposta ao crime organizado. Bandido bom é bandido morto, dizem por aí. Nesse caso, nada mais lógico do que criminalizar os protestos. Pronto, os Black Blocs são vândalos, são criminosos que depredam fachadas de bancos e de lojas, chegam mesmo a quebrar pontos de ônibus, arrancar placas e lixeiras, além de atiçar fogo no lixo. E ainda usam máscaras, ícone máximo de que não são bem-intencionados. Está justificada a violência policial, portanto. Acontece que não é isso o que ocorre e vou dar a minha modesta opinião, que, para ser mais bem embasada, precisaria de muito mais espaço do que aqui disponho.
Para ficar apenas no que diz respeito à PM, falo como testemunha e participante de várias manifestações que ocorrem de junho para cá. É mentira que a polícia quer apenas dispersar os manifestantes, simplesmente porque ela os cerca e os ataca de todas as direções. Não há para onde correr, possibilidade de dispersão, ponto de fuga. Cinegrafistas e pessoas da imprensa alternativa são ostensivamente reprimidos, sem falar nos advogados. Ora, um país democrático garante a liberdade de imprensa, por que, então, deve-se reprimir os midialivristas nas ruas? Seria porque eles mostram o que a imprensa oficial esconde? Isso lembra que período da nossa história? Mais do que acabar com a manifestação, a impressão que se tem é que a intenção é acabar com os manifestantes. Depois, basta rotulá-los como vândalos, do mesmo modo que se rotulava o negro pobre de traficante. E aí ficam elas por elas. A polícia simplesmente cumpriu seu papel e o desconforto que as imagens podem causar desaparecem com os comerciais ou com a novela que vem a seguir. E se continua (sobre)vivendo normalmente no dia seguinte.
Todavia, a atitude da PM, por mais bárbara que seja, não é a mais preocupante. Simplesmente porque ela cumpre ordens. E ordens de um governador eleito e reeleito pelo voto direto, prática vigente nas democracias. Mas um estado que não permite oposição política e que volta, em muitos aspectos, a se comportar ditatorialmente está cometendo uma violência muito mais grave do que a da PM, sua subordinada. Não há diálogo, não há explicações convincentes, não há pronunciamentos televisivos - há apenas silêncio. O mesmo silêncio que grita de Brasília, capital de um país que tem como presidente uma mulher que lutou contra a ditadura militar. É muito triste um partido com a história do PT formar alianças que visam o interesse dos mesmos de sempre - a classe dominante. O trabalhador? Contenta-se, quiçá, com um trabalho que lhe permita pagar as contas no fim do mês, sem seus direitos básicos garantidos. 
Os professores, tanto do estado quanto do município, lutam pela educação. Mas educar para que o povo? É melhor que ele se contente com um poder de compra maior no fim do mês. Ensinar o povo a pensar é perigoso. Parece ser esse o raciocínio de nossos governador e prefeito. Este último, inclusive, já declarou que não matricularia seus filhos numa escola do município. Educação de qualidade para os filhos dos outros é luxo, não é direito, muito menos necessidade. E continua obstinado a não dialogar. E, com isso, o povo continua incansavelmente indo às ruas, com a mesma obstinação. Nesse ponto, fecha-se o círculo, pois a resposta é, novamente, a violência policial. A violência política, no final das contas, haja vista que vivemos hoje um estado de exceção no Rio de Janeiro. 
O povo não quer só vinte centavos. O povo quer educação, saúde, transporte público, segurança, moradia, alimentação, lazer padrão FIFA. O povo quer que Sérgio Cabral vá com Paes. A propósito, o que se espera tanto para votar seu impeachment? Mas isso já é outra história. A população do Rio de Janeiro não quer mais nosso governador no poder, e ele já demonstrou incompetência e motivos suficientes para ser retirado do cargo. Enquanto ele permanecer no Palácio Guanabara e, além disso e principalmente, as reivindicações populares não forem ouvidas, o povo voltará à rua, com repressão ou não.

domingo, 13 de outubro de 2013

Black Bloc e a discussão improfícua

Hoje o Fantástico apresentará uma matéria sobre os Black Blocs, com a entrevista de um dos integrantes da tática que assume a perda de controle nas manifestações. Naturalmente, qualquer pessoa com o mínimo de senso crítico não irá aceitar como "verdade" o que for veiculado pela Rede Globo, haja vista o grau de descompromisso com a imparcialidade da emissora. Desconfio, inclusive, ser de fato um Black Bloc a dar a entrevista. Não pretendo, com isso, dizer que os Black Blocs devem ser aceitos por todos e quem os critica ou é reacionário ou fascista ou de direita. Mas mesmo as pessoas que discordam dos Black Blocs sabem que não é possível confiar na emissora dos Marinho. Suas críticas podem ser justificadas por outros caminhos, menos pela alienação.
O que me chama a atenção ainda hoje, de forma bastante negativa, é a crescente polarização das manifestações entre violência da polícia de um lado e quebra-quebra de uns "vândalos", de outro. Quando o "gigante acordou", a população ia às ruas reivindicar o que lhe é de direito: saúde, educação, transportes, segurança, alimentação, moradia, empregos padrão FIFA. O país do futebol não quer mais ser o melhor nas quatro linhas e permanecer sem condições mínimas de uma vida digna. O dinheiro gasto nos estádios não seria melhor empregado para o bem-estar dos brasileiros, que sofrem em filas de hospitais com atendimento precário, por exemplo?
Diante do descontentamento explícito dos brasileiros, a primeira conquista chegou: a redução dos vinte centavos nos transportes públicos. Mas não eram só os vinte centavos que estavam em jogo. O que foi feito? Uma velha arma foi posta em circulação antes que novas conquistas surgissem por conta da pressão popular. Criou-se um novo problema para suplantar a causa primeira das manifestações. Assim, ao invés de discutir as políticas públicas deficitárias, começou a discussão sobre quem é mais violento: polícia ou manifestantes. E a cada dia que passa ambos os lados gastam tempo e energia para provar quem é mais violento e/ou quais são as melhores formas de reivindicação. Enquanto isso, nossos governantes permanecem sem dar as caras em público e sem serem efetivamente incomodados. 
Eu mesmo tenho perdido precioso tempo dialogando com pessoas que nunca foram às manifestações mas que têm teorias para tudo o que acontece. Nenhum problema com as teorias contrárias às minhas, mesmo porque não sou dono de verdade alguma, mas toda a discussão gira em torno de seu próprio rabo e não avança: sim, os Black Blocs são vândalos e utilizam máscaras porque têm algo a esconder; não, foi o Batalhão de Choque do governador que mais uma vez provocou o conflito, está filmado, todos podem ver. E enquanto não há vencedores nessa disputa retórica, o padrão FIFA restringe-se apenas aos nossos estádios de futebol.
Mesmo com toda essa discussão muitas vezes improfícua, ainda assim conseguimos avançar em alguns pontos: recentemente foi concedida liminar suspendendo a votação do plano de carreira dos professores, por exemplo; mais e mais a sociedade civil tem se organizado em coletivos dispostos a lutar por suas ideologias; até mesmo a Rede Globo se viu obrigada a mostrar um lado da história que vinha sendo escamoteada deliberadamente; vozes até então nunca ouvidas passaram a ser representadas e representativas.
Eu tenho participado ativamente das manifestações nas ruas e também sou um dos que têm perdido tempo na discussão sobre os Black Blocs nas redes sociais. E estou cansado disso. Ora, discordar da tática dos mascarados e aceitar a nossa política pública são coisas diversas. Ok, discorde, mas qual a proposta que você tem a oferecer para que a voz do povo seja ouvida? Será que estamos tão habituados a não termos nada que a violência da PM em favelas não nos incomoda, pois sempre foi assim mesmo? Que passar horas na fila de atendimento ou morrer num hospital sem nem sequer ter uma maca para deitar já é parte da rotina? Que dia após dia ficar parado na SuperVia por carência de trens não chega a ser um problema porque não atinge a classe média? 
Particularmente, não tenho nada contra os Black Blocs, apesar de ter alguns senões sim, mas me sinto muito mais seguro na companhia deles nas ruas. Mesmo que eu admitisse, hipoteticamente, que eles são baderneiros e que têm como único objetivo vandalizar a cidade, significa dizer que, na ausência deles, não temos do que reclamar? Nenhum manifestante é causa do problema, mas sim sua consequência. Vamos parar de correr atrás do próprio rabo e continuar a exigir saúde, educação, transporte, segurança, alimentação, moradia, desmilitarização da polícia etc. etc. O país não está em crise por causa das manifestações; estas existem porque o país está em crise. Para finalizar, quem tem coragem de dizer que, se não houvesse Black Blocs, não teríamos do que reclamar?

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Dois breves comentários pontuais sobre as manifestações

De junho para cá, as manifestações tomaram conta do país e seguem com força, principalmente no Rio de Janeiro. O povo não estava interessado apenas na revogação do aumento de 20 centavos nas passagens dos transportes públicos. Seu interesse ia - e vai - além, mesmo que os 20 centavos tenham sido apenas a gota d'água. Cientistas políticos e sociais e intelectuais de um modo geral buscaram compreender o fenômeno, mas não conseguiram, ainda hoje, de modo satisfatório. E na incompreensão, muita gente opinou. Uma das teorias mais correntes era a de que os Black Blocs e o Anonymous não passavam de grupos fascistas, interessados ou num golpe militar ou na desmoralização do PT para a retomada do poder, nas próximas eleições, pelo PSDB.
Sobre um possível golpe militar orquestrado pelos jovens vândalos, porque mascarados, acredito que não há mais quem sustente essa hipótese, tamanho o absurdo. Mas se o tópico é ditadura, vamos pensar sobre o que ocorre aqui no Rio de Janeiro de uns meses para cá. A polícia militar, a cada dia que passa, sob o comando do governador Sérgio Cabral, a pretexto de manter a ordem nas ruas, tem reprimido violentamente qualquer manifestação que se oponha ao governo. Ruas são fechadas e nem mesmo moradores podem escolher o percurso que lhes convém para chegar em casa. Isso aconteceu no Leblon - quando a polícia militar estava claramente protegendo bens privados - e em Laranjeiras, bairro sede do Palácio Guanabara - isso para não falar no casamento da Dona Barata e no recente fechamento da Cinelândia (!). Não apenas o direito de ir e vir da população foi cerceado; seu direito de se manifestar, de demonstrar descontentamento com a política atual e de fazer, portanto, oposição também foi extinto. Nas manifestações, bombas de efeito moral, de gás lacrimogêneo, balas de borracha, cassetetes e spray de pimenta (em alguns casos munição letal também), em grande quantidade e de forma covarde e arbitrária, são utilizados para que os manifestantes não se manifestem; policiais se misturam ao povo para iniciar confusões e criminalizar os protestos; pessoas são presas arbitrariamente, sem qualquer justificativa; "provas" são forjadas para justificar detenções; advogados são impedidos de trabalhar e impedir que jovens sejam injustamente encarcerados; a mídia alternativa é igualmente perseguida e ameaçada para que não registre a truculência empregada pela polícia de Cabral; e a grande imprensa ou se cala ou manipula as informações. Quem presenciou o que acontece quando o Batalhão de Choque se dispõe a cumprir as ordens do governador, seja pela imprensa alternativa seja nas próprias manifestações, tem a certeza, hoje, de que não havia risco de ditadura - ela já existe. Vivemos hoje um Estado de exceção, sem sombra de dúvida. E muita gente se mostrava contrária aos protestos receosos de reviver os anos de chumbo da ditadura militar, talvez ajudando e fortalecendo o governo, mesmo que indiretamente. 
Quanto ao segundo tópico - a retomada do poder pelo PSDB -, não tenho muito o que dizer, exceto o que me parece óbvio. Em primeiro lugar, se realmente houvesse, no meio da multidão, partidários da direita e simpatizantes dos tucanos, por que isso deslegitimaria os protestos? Numa democracia todos têm o direito de se manifestar, ou não? Por que o PT deveria estar a salvo de qualquer crítica que lhe fosse feita? Devo acreditar que o país, graças ao Partidos dos Trabalhadores (nome hoje irônico para a estrela vermelha), está tão bom que seria um gesto de vandalismo se posicionar de forma contrária? E mesmo que estivesse, a oposição deveria ser banida? Qual o nome que se dá a isso? A meu ver, deveria ser feito um mea culpa pelos defensores do PT e o porquê de suas ressalvas às manifestações. Não acredito que a maioria das pessoas nas ruas eram de direita, embora elas também pudessem estar presentes, mas para quem defendia que o povo na rua equivalia a uma desmoralização do PT, o que respondo é que, infelizmente, foi o próprio PT que se desmoralizou. Quando finalmente Lula chegou ao poder, o Brasil teve a grande chance de se firmar como um país de esquerda, mas não foi isso o que ocorreu. As alianças equivocadas assumidas em nome da governabilidade atendiam a quais interesses? E de quem? Enumerar as causas do desgaste que o PT sofre por causa de suas escolhas seria cansativo e desnecessário, todos já sabem o que há de errado - e não me refiro ao mensalão. Para ficar apenas no Rio de Janeiro, como a presidente Dilma ainda não se pronunciou diante da barbárie que vem sucessivamente sendo cometida aqui? O que o Mercadante espera para dar um nota que seja sobre o que o Eduardo Paes e o Sérgio Cabral estão fazendo com a Educação?
Para finalizar, aviso ao petistas, que temiam a volta do tucanato, para não se preocuparem: em São Paulo, por exemplo, Alckmin também foi e é alvo de protestos. Chegou a hora de entendermos, todos, que a luta não é contra um ou outro partido - a luta é contra o sistema, que continua privilegiando uma parcela ínfima da sociedade, a mesma que detém o capital. O que queremos é um governo que seja, de fato, preocupado com o povo, com o trabalhador. Mais, preferencialmente que estes trabalhadores - e não políticos profissionais, filhos da burguesia e perpetuadores do status quo - cheguem ao poder. Acredito que esteja na hora de substituirmos o capitalismo, que já demonstrou toda a sua iniquidade. Que venham Educação, Saúde, Transportes, Segurança, Moradia, Habitação, Alimentação padrão Fifa. Trocamos os suntuosos estádios de futebol por saúde e educação para começar.