sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Diário de bordo - Central do Brasil (06/02/14)

Ontem eu fui à Candelária protestar contra o aumento das passagens e não fui sozinho. Não sei precisar o número exato de manifestantes, mas por baixo arriscaria a dizer que pelo menos 5000 pessoas também compareceram. Por que haveria de ter tanta gente insatisfeita, para não dizer indignada, com a nova tarifa de 3 reais para os ônibus? A resposta é mais do que simples: porque o nosso transporte público é de péssima qualidade. Nossos ônibus não tem ar-condicionado, o que poderia ser um luxo não fosse o calor infernal do Rio de Janeiro. Duvido que alguém considere luxo a calefação em cidades como Toronto... Mas não é só isso. Quem necessita dos ônibus para se locomover sofre com atrasos, com poucos veículos e, portanto, com super lotação; sofre também à espera dos ônibus que se negam a parar para idosos e estudantes, com ruas mal pavimentadas, com a dupla função de motorista e cobrador. Talvez para quem mora na zona sul o serviço não se mostre tão precário - como em todos os aspectos, aliás -, mas a zona sul é uma pequena parcela da cidade, minoritária. Não bastasse isso, temos a CPI dos ônibus que não deu em nada, as regalias concedidas aos empresários do setor etc.
Os ônibus, porém, não são o único meio de transporte coletivo que apresenta problemas. Por isso, da Candelária caminhamos para a Central do Brasil, já que a Supervia, como também o metrô, parece brincar de desrespeitar seus usuários cotidianamente. Elencar os problemas que os trens oferecem pode ser redundância e, como todos já os conhecem, me absterei de enumerá-los. O que posso dizer, como alguém que esteve presente ontem na Central, é que os manifestantes que se fizeram presentes mais uma vez organizaram um catracaço porque entendemos que o transporte público deveria ser gratuito, haja vista o valor excessivo de impostos que todos pagamos diariamente e o pouco caso das autoridades em todos os serviços públicos essenciais ao bem-estar da população, tais como saúde, educação, moradia, saneamento básico, transporte e segurança. E, falando em segurança, chego enfim a mais um ato de despreparo e covardia da Polícia Militar.
Menos de cinco minutos após entrar na Central, começou o primeiro corre-corre. Em seguida, a primeira bomba explodiu, logo após várias outras. Vi pessoas gravemente feridas, tanto dentro como fora da Central, à espera de ambulâncias que não chegavam. A sorte, para falar de um caso que acompanhei mais de perto, foi a pronta ajuda dos socorristas. Tratava-se de uma passageira que, devido a um estilhaço de uma janela que explodiu em função de uma bomba, teve um corte muito profundo no braço e perdeu bastante sangue. Mais de uma hora depois ela conseguiu, finalmente, ser levada numa maca para atendimento mais adequado. Aqui, deixo uma nota de reconhecimento e de agradecimento ao trabalho dos socorristas. 
Enquanto esperávamos uma maca ou ambulância chegarem, pude dizer a uma funcionária da Supervia que era inadmissível o que estava acontecendo ali, mas obtive o silêncio como resposta. Lá fora, o Batalhão de Choque continuava com seu modus operandi. Bombas, gás, porrada, prisões arbitrárias.
Presenciei o desespero da população, já tão desrespeitada diariamente em todos os seus direitos, e tentei ajudar da melhor maneira possível: oferecendo leite de magnésia para atenuar a ardência nos olhos decorrente do gás, emprestando meus óculos de proteção para uma menina de sete anos, aproximadamente, ao lado de uma mãe angustiada, e as levei para dentro do trem, como algumas outras pessoas, aturdidas com tamanha violência e covardia. 
O clima dentro da Central era muito tenso, principalmente porque não sabíamos ao certo o que estava acontecendo do lado de fora. Quando finalmente consegui sair, vi o caos. Muita polícia, entre a montada e o Choque, mais pessoas feridas e, à medida que encontrava pessoas conhecidas, me informava do que havia acontecido - e as notícias não eram nada agradáveis. Helicópteros da imprensa sobrevoavam o local (para dar a sua versão deturpada dos fatos). Da Central, caminhei com uns amigos até a Cinelândia, para onde os manifestantes se dirigiram. Quando lá cheguei, fiquei assustado com o número excessivo de polícia, que eu só vejo em manifestações populares, mas não enxergo no dia a dia, propiciando casos de violência e assaltos contra moradores e, mais recentemente, a organização de grupos "justiceiros", que se acham no direito de fazer justiça com as próprias mãos, uma vez que a polícia não faz a sua parte - e com faria se desloca uma grande parcela de seu contingente para repreender manifestantes?
Enquanto a população sofre com o transporte público, há quem anda de helicóptero para evitar o trânsito do Leblon para Laranjeiras e há aqueles que acreditam não passarmos de vândalos... O que é vandalismo afinal?