domingo, 15 de fevereiro de 2015

Sempre tem o mais fraco


Há cerca de três ou quatro anos, a vizinha do apartamento de cima se refugiou aqui em casa para escapar de mais uma surra que seu então marido iria lhe dar. Oferecemos todo apoio possível, ela não apanhou naquele dia e, parece-me, não mais, haja vista que se separou do agressor. Mais um dentre tantos casos de uma "minoria" mais fraca que sofre com a covardia do mais forte. Mas sempre há aquele que é ainda mais fraco. 
Soube ontem pela subsíndica que a tal vizinha protagonizara mais um caso de covardia, mas agora como agressora. Ela, ao entrar no edifício, se indignou porque nossa empregada doméstica negra e grávida estava sentada num dos bancos da portaria de short e com a barriga de quase oito meses de fora. Ela não poderia estar ali, muito menos, no calor do Rio de Janeiro, trajando um short e uma camiseta. Nossa empregada, segundo a subsíndica, fora confundida com uma moradora de rua e tratada como tal, o que evidencia o tratamento diferenciado que as pessoas sofrem a depender de status social e raça. Talvez, na cabeça de minha vizinha, negros só possam ser desabrigados, quando muito favelados. 
A subsíndica, que me contava tudo muito constrangida, também estava com um short jeans curtíssimo e de camiseta, fato observado por mim. Mas é branca, o que faz toda diferença do mundo. Posicionei-me, disse que não toleraria discriminação racial ou de qualquer outra ordem e tranquilizei nossa empregada contra qualquer possível futura atitude racista. 
Há quem ache que mulher pode apanhar porque seria subserviente; há quem associe negro a moradores de rua e ainda se acha no direito de humilhá-lo; eu acho que todas as agressões são da mesma quadrilha.

quarta-feira, 18 de junho de 2014

"Não vai ter Copa" é motivo de piada (?!)

Muitos gritaram e ainda gritam que não vai ter Copa. Tal grito não é ingênuo, a Copa está acontecendo e consigo muitas repressões e violência. Apesar disso, ainda há pessoas dispostas a irem para as ruas gritar que não vai ter Copa, demonstrando sua insatisfação com a forma como o mundial foi organizado e tudo de negativo que o padrão FIFA de qualidade nos trouxe. Particularmente, não me surpreendo nem tampouco me escandalizo com as manifestações anti-Copa, pois delas faço parte e acredito que tenho esse direito. Também acredito no direito dos entusiastas da Copa em querer assisti-la e torcer pelo Brasil. Nenhum problema nisso. O problema, a meu ver, é quando estes entusiastas riem e ridicularizam o grito "Não vai ter Copa" ou seus correlatos, escarnecendo de seu "fracasso", pois Copa há. Poderiam me perguntar, então, qual o problema de fazer piada sobre a afirmação convicta de que não haveria Copa.
Em primeiro lugar, responderia que as brincadeiras em tom de "vitória" dos pró-Copa denotariam ignorância no que diz respeito ao grito "Não vai ter Copa". Quem entoa esse jargão antes se posiciona politicamente do que, como um oráculo, previa uma verdade incontornável. O grito que ainda se ouve é contra a higienização da cidade em favor de poucos; contra a remoção de inúmeras famílias que já eram e permanecem desassistidas; contra a violência do Estado, que parece ignorar para quem governa; contra o superfaturamento das obras, algumas inacabadas; contra a elitização do futebol, paixão nacional, irrestrita a uma elite branca e "comportada"; contra a FIFA e todos os seus mandos e desmandos etc. etc. No final das contas, o grito também é a favor de saúde, educação, transporte, segurança, habitação, alimentação, demarcação de terras indígenas etc., esses sim padrão FIFA, mas ainda distantes - e muito - de se tornarem realidade.
Em segundo lugar, a ironia em torno da realização da Copa me faz questionar o espírito nacionalista daqueles que veem na seleção brasileira um orgulho patriótico. Não há problema em torcer pelo Brasil, mas me parece um contrassenso fazer isso enquanto brasileiros são presos arbitrariamente, são atacados pela polícia militar e pela Força Nacional, respiram gás de pimenta e são atingidos por balas de borracha, cassetetes, estilhaços de bombas e até por tiros de armas letais. Como poderia rir de uma situação dessas? E já não é mais o caso de uma ignorância guiada pelos meios de comunicação, haja vista que as mídias alternativas, via internet, denunciam e mostram - há muito - o que é silenciado pela chamada mídia hegemônica, além do escárnio dos pró-Copa ser publicado em redes sociais, onde é possível ter acesso a toda sorte de arbitrariedade cometida contra manifestantes. Não é por desconhecimento do que ocorre nas ruas, portanto.
Quem ri do caos em que vivemos, do estado de exceção em que nos vemos, porque a Copa está acontecendo, concorda com a violência praticada contra quem a ela se opõe; desinteressa-se pela melhoria nos setores essenciais para quem não tem condição de pagar; e reclama que negros e pobres passeiem em seus shopping centers. O grito NÃO VAI TER COPA é a favor do Brasil e dos brasileiros, os mesmos que não têm condição alguma de pagar o ingresso para entrar nos estádios padrão FIFA e continuam, dentre outros serviços, sem saúde, pois a Copa não é feita de hospitais.
A julgar pela decoração das ruas e pelo entusiasmo da população, a Copa que está acontecendo já não houve. 

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Pra não dizer que não falei de espinhos

Desde sempre votei no PT, apesar de na última eleição ter votado não na Dilma, mas contra o PSDB. Dilma muito provavelmente será reeleita, mas dessa vez sem meu voto. Nas próximas eleições, não votarei em ninguém. Não pretendo negar as coisas boas que o PT fez, primeiro com Lula e agora com Dilma. Sim, houve acertos, não há dúvida. Estamos melhores agora do que jamais estivemos. Entretanto, muitos foram os erros e as alianças equivocadas, na minha opinião imperdoáveis, principalmente se levarmos em conta toda a expectativa que havia de mudanças sociais com a chegada do Partido dos Trabalhadores ao poder. Doze anos e muita frustração depois, o grande partido de esquerda que tínhamos endireitou-se e anda de braços dados com os mesmos de sempre, aqueles mesmos combatidos outrora pelo PT. 
Os petistas, talvez ainda sem saber como defender seu partido, limitam-se a comparar os anos FHC com a era Lula. Ok, é uma comparação fácil demais de ser vencida. Seria muito difícil o PT conseguir ir aquém dos tucanos. Qualquer tentativa de se criticar a situação é rapidamente rebatida com gráficos ilustrativos que evidenciam como o país cresceu mais com o PT na presidência. A autocrítica fica onde? A meu ver, o grande mérito do PT, mediante a defesa comparativa, é extrínseco ao partido, isto é, aquilo de mais importante dos governos Lula e Dilma está neles não serem do PSDB. Muito pouco, em minha avaliação. Toda - ou quase toda - virtude petista reside na comparação com o principal partido de oposição, que, aliás, não apresenta nenhuma proposta séria e consistente para o país. Desse modo fica fácil a reeleição e torna-se mais rápida e certeira a defesa comparativa. Penso que os votos do PT deveriam ser consequência de sua política, não apenas o medo do retorno do PSDB ao governo. O lema parece ser: "Está ruim, mas pode ficar pior".
Na esteira das comparações, pululam nas redes sociais ilustrações e gráficos indicativos do avanço da economia brasileira, não apenas PT versus PSDB, mas mostrando, via gráficos e números, o inegável salto qualitativo do padrão de vida no Brasil. Não entendo nada de números, de economia, de cálculos, de percentuais. Mas dizem que a matemática não mente; eu diria que ela apenas ilude, afinal de contas, vivo no Brasil e vejo as condições em que um número expressivo de brasileiros sobrevive. Nossa economia cresceria mais do que a de países desenvolvidos, como Estados Unidos e Inglaterra, por exemplo. Como disse, não entendo de economia nem de números. Mas me parece que tem alguma coisa errada nessa avaliação. Nossos serviços básicos continuam caóticos. Quem necessita de educação, saúde, transporte, segurança públicos está entregue à própria sorte. Do que adianta aumento de poder de compra por parte da população se ela continua desprovida do essencial. Nossos hospitais públicos são vergonhosos: faltam profissionais, vagas, medicamentos, instrumentos, etc. Com a educação ocorre o mesmo. 
Há quem diga que o problema não é partidário, mas do sistema e, enquanto vivermos no capitalismo, governo após governo padecerá do mesmo mal, ou melhor, fará o mesmo mal à população. Assim, pouco importaria a autonomeação de partido de esquerda se, no final das contas, uma vez no poder, e para se manter no poder, faz-se necessário aliar-se à direita. Hoje não consigo entender o medo que a "esquerda" tem do retorno da direita se esta nunca deixou Brasília. A equivalência entre esquerda e direita é tão gritante que, se passarmos para os planos estaduais, não distinguiremos muita coisa de um governador da oposição e outro da situação. Para finalizar, meu medo não é o retorno indesejado do PSDB, mas que continuemos a viver da mesma forma, sem saúde, educação, transporte, segurança, moradia, alimentação, enfim, dignidade. 

sábado, 10 de maio de 2014

Resposta a Rica Perrone* - Não vai ter Copa

Bem, estamos a pouco mais de um mês para o início da Copa. Sim, ela vai acontecer independentemente dos gritos de "Não vai ter Copa", "Copa pra quem?" ou algum outro equivalente. Seria, no mínimo, muita ingenuidade acreditar que, às vésperas de um dos mais lucrativos eventos mundiais, simplesmente por causa de uns poucos oposicionistas, a Fifa se despedisse do Brasil. Mais ingenuidade seria crer que, dessa maneira, todo dinheiro gasto e ainda por gastar com a Copa redundaria em benefícios para a população. Francamente, todos sabemos que a população nunca, ou raramente, é beneficiada, basta ver nossos hospitais e escolas, para não estender aos demais serviços públicos.
Li há pouco o texto "Odeie a Copa", escrito por Rica Perrone, no qual ele, a meu ver, equivoca-se muitas vezes. Segundo o autor, a Copa vai sim acontecer, e nisso concordo com ele, naturalmente. Mas discordo que ela "vai deixar todo mundo maluco com a ideia de termos a maior competição de futebol do planeta em nossa terra". Os índices de desaprovação da Copa são altos, apesar do futebol ser o esporte mais popular de nosso país. Aliás, vale lembrar, Rica Perrone, que o grito de Não vai ter Copa é antes um posicionamento político do que propriamente assistir ou não aos jogos ou torcer contra o Brasil. A esse respeito, inclusive, muito tem se discutido nas redes sociais que uma coisa não tem nada a ver com a outra. Gritamos que não vai ter Copa porque vivemos em um país em que verba nenhuma é destinada às necessidades fundamentais da população, mas que muito dinheiro ergueu estádios que, após a Copa, serão enormes elefantes brancos, posto que situados em estados que não têm uma tradição futebolística capaz de enchê-los durante as competições locais.
Sim, há muita gente apaixonada e engajada em movimentos anti-Copa, também concordo nesse ponto. Estas pessoas, porém, apesar de serem ostensivamente agredidas pela polícia nas ruas e estigmatizadas pela imprensa, mantêm sua convicção. Quer torcer pela Copa, Rica Perrone? À vontade, mas acho estranho que um grupo a priori pequeno de militantes abale sua confiança em ver uma Copa que deixará "todo mundo maluco" com a maior competição mundial de futebol. Parece haver um contrassenso aí, não? Todo mundo vai ficar maluco com a Copa mas, ao mesmo tempo, já se sente desconfortável em torcer pela seleção antes mesmo dela começar? Ficou confuso para mim.
Outra coisa: talvez o que de mais apaixonante haja no futebol - sim, adoro futebol - é a provocação sadia entre torcidas rivais após um jogo. Discute-se se houve erro do árbitro, se houve recurso ao tapetão etc. Essa paixão deve ser restrita ao futebol? Não se pode discutir apaixonadamente se haverá Copa ou não? Ou melhor, quais os reais benefícios que a Copa trouxe para o Brasil e qual será nosso legado? Nisso parece que não pode haver voz discordante na sua opinião. Pois grite que haverá Copa, que é um torcedor entusiasta, ninguém te impedirá.
Para finalizar, caro Rica Perrone, achei suas insinuações sobre a corrupção velada dos manifestantes anti-Copa descabida. Baseado em que você sugere que todos falsificamos carteiras de estudantes para irmos ao cinema? Faltaram-lhe argumentos ou você acha por bem colocar tudo e todos sob o mesmo rótulo que você, ironicamente, condena em seu texto?
Muito ainda tenho para escrever sobre o porquê de não querermos Copa, mas fica o convite para o diálogo. E repito: o grito Não vai ter Copa é, sobretudo, uma tomada de posição, pois todos sabemos que haverá Copa. Defenda a sua posição e não se cale perante a oposição ora pois. 

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* quem tiver interesse em ler o texto de Rica Perrone, basta clicar aqui.

sábado, 1 de março de 2014

Filhinhos de papai ou a burguesia ainda fede

Cazuza cantou que a "burguesia fede". Naquela época, recordo-me de ter ouvido críticas tais como: "um absurdo, o maior burguesinho falando da burguesia", "dizer que a burguesia fede, sendo filho de quem é, é mole" e outras nesse sentido. Isso significa por acaso que a burguesia não pode ser criticada por burgueses que conseguem enxergar todas as suas mazelas? Por burgueses dispostos a tentar mudar o cenário mesmo que provenham deste mesmo sistema cruel e absurdo?
Rememoro os ataques feitos a Cazuza porque é muito comum ouvir, por exemplo, que os Black Blocs e/ou os manifestantes que ocupam as ruas desde junho são todos filhinhos de papai, isto é, não merecem ser levados a sério. Em primeiro lugar, tal afirmação denota um amplo desconhecimento dos movimentos populares e de quem deles faz parte. Mas suponhamos que, sim, sejamos todos filhinhos de papai ou burguesinhos sem a mínima capacidade reflexiva sobre nossa política e seus rumos distorcidos. Isso nos faz incapazes de reivindicar melhorias em setores como saúde, educação, transportes, segurança, moradia, saneamento básico e que também sejamos contra a Copa? Mesmo que tais pautas não sejam, a priori, um problema para a burguesia, sentada em seu berço esplêndido? Que bom que há tantos "filhinhos de papai" descontentes com a desigualdade social e atentos aos desmandos de nossos governantes, reivindicando melhorias na qualidade de vida para os não burgueses.
Tais críticas, a meu ver, são uma forma da própria burguesia - ou ao menos de uma parte conservadora e reacionária - perpetuar o status quo, desqualificando os atores sociais engajados nas lutas. Explico melhor: as reivindicações não poderiam surgir de dentro da própria burguesia justamente por serem filhinhos de papai, isto é, pessoas alienadas que nunca precisaram trabalhar, pegar ônibus e trens lotados etc. Assim, ao adjetivar os manifestantes com essa alcunha, busca-se simplesmente despolitizar as manifestações e enfraquecê-la. O que os conservadores diriam, nas entrelinhas, é que qualquer tentativa de mudança social deveria partir das classes menos favorecidas, estas sim carentes das pautas levantadas nas ruas. Mas é aí que entra, na minha opinião, a crueldade de nosso sistema, porque do mesmo modo que a pecha de "filhinhos de papai" não leva a sério os gritos das passeatas, se fossem os moradores de comunidades, por exemplo, a entoar os mesmos gritos, prontamente se diria que não passam de analfabetos políticos que estão a serviço do tráfico. Ou que deveriam trabalhar mais ao invés de interditarem as vias da cidade reclamando algo que nunca lhes pertenceu e que assim é. Ou, ainda, que deveriam ter estudado e que agora não adianta reclamar. Mais ainda: a repressão policial seria mais ostensiva e ninguém reclamaria o sumiço de tantos Amarildos, como, aliás, acontece diariamente desde sempre.
Parece que a palavra de ordem é que não haja desordem, que ninguém ouse interferir no modus operandi burguês para que este siga inclemente em uma cidade excludente, onde pobres e negros se restrinjam às favelas e à periferia e não tenham a audácia de querer acesso a hospitais, escolas, lazer, shopping centers etc. Que os pobres e negros continuem a ser mão de obra barata para o conforto da classe média acostumada ao seu padrão de vida.
O que as ruas vêm dizendo é que o poder é do povo. Desse modo, é para o povo que as ações governamentais deveriam ser dirigidas, diminuindo as diferenças de classes. Sou uma dessas vozes nas ruas, e sou filho da classe média. Isso me descredencia? A propósito, não sou tolo o suficiente para achar que as manifestações são compostas só por filhinhos de papai. Quem está nas ruas sabe a diversidade das vozes que se articulam em prol de uma coletividade. As mudanças podem até não acontecer, mas continuemos a gritar, sejamos ricos, pobres, brancos, negros, burgueses, proletários, afinal, o poder é do povo. E ignoremos os rótulos desqualificadores dados por senhores conservadores e, sobretudo, ignorantes do que de fato ocorre.
Para finalizar estas concisas reflexões, não seria estranho que a mídia hegemônica, que atende aos interesses dominantes, dia após dia deturpe as informações que chegam ao público de modo a criminalizar as manifestações, orquestradas por vândalos, e que os midiativistas sejam ostensivamente obstruídos de levar uma versão menos comprometida e mais fidedigna com o que ocorre nas ruas? Para que haja uma mudança substancial em nossa sociedade, faz-se imprescindível a mudança do sistema.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Diário de bordo - Central do Brasil (06/02/14)

Ontem eu fui à Candelária protestar contra o aumento das passagens e não fui sozinho. Não sei precisar o número exato de manifestantes, mas por baixo arriscaria a dizer que pelo menos 5000 pessoas também compareceram. Por que haveria de ter tanta gente insatisfeita, para não dizer indignada, com a nova tarifa de 3 reais para os ônibus? A resposta é mais do que simples: porque o nosso transporte público é de péssima qualidade. Nossos ônibus não tem ar-condicionado, o que poderia ser um luxo não fosse o calor infernal do Rio de Janeiro. Duvido que alguém considere luxo a calefação em cidades como Toronto... Mas não é só isso. Quem necessita dos ônibus para se locomover sofre com atrasos, com poucos veículos e, portanto, com super lotação; sofre também à espera dos ônibus que se negam a parar para idosos e estudantes, com ruas mal pavimentadas, com a dupla função de motorista e cobrador. Talvez para quem mora na zona sul o serviço não se mostre tão precário - como em todos os aspectos, aliás -, mas a zona sul é uma pequena parcela da cidade, minoritária. Não bastasse isso, temos a CPI dos ônibus que não deu em nada, as regalias concedidas aos empresários do setor etc.
Os ônibus, porém, não são o único meio de transporte coletivo que apresenta problemas. Por isso, da Candelária caminhamos para a Central do Brasil, já que a Supervia, como também o metrô, parece brincar de desrespeitar seus usuários cotidianamente. Elencar os problemas que os trens oferecem pode ser redundância e, como todos já os conhecem, me absterei de enumerá-los. O que posso dizer, como alguém que esteve presente ontem na Central, é que os manifestantes que se fizeram presentes mais uma vez organizaram um catracaço porque entendemos que o transporte público deveria ser gratuito, haja vista o valor excessivo de impostos que todos pagamos diariamente e o pouco caso das autoridades em todos os serviços públicos essenciais ao bem-estar da população, tais como saúde, educação, moradia, saneamento básico, transporte e segurança. E, falando em segurança, chego enfim a mais um ato de despreparo e covardia da Polícia Militar.
Menos de cinco minutos após entrar na Central, começou o primeiro corre-corre. Em seguida, a primeira bomba explodiu, logo após várias outras. Vi pessoas gravemente feridas, tanto dentro como fora da Central, à espera de ambulâncias que não chegavam. A sorte, para falar de um caso que acompanhei mais de perto, foi a pronta ajuda dos socorristas. Tratava-se de uma passageira que, devido a um estilhaço de uma janela que explodiu em função de uma bomba, teve um corte muito profundo no braço e perdeu bastante sangue. Mais de uma hora depois ela conseguiu, finalmente, ser levada numa maca para atendimento mais adequado. Aqui, deixo uma nota de reconhecimento e de agradecimento ao trabalho dos socorristas. 
Enquanto esperávamos uma maca ou ambulância chegarem, pude dizer a uma funcionária da Supervia que era inadmissível o que estava acontecendo ali, mas obtive o silêncio como resposta. Lá fora, o Batalhão de Choque continuava com seu modus operandi. Bombas, gás, porrada, prisões arbitrárias.
Presenciei o desespero da população, já tão desrespeitada diariamente em todos os seus direitos, e tentei ajudar da melhor maneira possível: oferecendo leite de magnésia para atenuar a ardência nos olhos decorrente do gás, emprestando meus óculos de proteção para uma menina de sete anos, aproximadamente, ao lado de uma mãe angustiada, e as levei para dentro do trem, como algumas outras pessoas, aturdidas com tamanha violência e covardia. 
O clima dentro da Central era muito tenso, principalmente porque não sabíamos ao certo o que estava acontecendo do lado de fora. Quando finalmente consegui sair, vi o caos. Muita polícia, entre a montada e o Choque, mais pessoas feridas e, à medida que encontrava pessoas conhecidas, me informava do que havia acontecido - e as notícias não eram nada agradáveis. Helicópteros da imprensa sobrevoavam o local (para dar a sua versão deturpada dos fatos). Da Central, caminhei com uns amigos até a Cinelândia, para onde os manifestantes se dirigiram. Quando lá cheguei, fiquei assustado com o número excessivo de polícia, que eu só vejo em manifestações populares, mas não enxergo no dia a dia, propiciando casos de violência e assaltos contra moradores e, mais recentemente, a organização de grupos "justiceiros", que se acham no direito de fazer justiça com as próprias mãos, uma vez que a polícia não faz a sua parte - e com faria se desloca uma grande parcela de seu contingente para repreender manifestantes?
Enquanto a população sofre com o transporte público, há quem anda de helicóptero para evitar o trânsito do Leblon para Laranjeiras e há aqueles que acreditam não passarmos de vândalos... O que é vandalismo afinal?

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

A violência político-militar no Rio de Janeiro

Fico me perguntando qual o motivo da polícia militar - a despeito de ser militar - usar tanta violência contra os manifestantes. Alguns poderiam dizer, convictamente, que é tão-somente por causa de um grupo de vândalos. Dito isso, a resposta estaria dada e a violência justificada. Mas, supondo que isso encerrasse a questão, o uso excessivo da força policial não alarmaria a população por quê? Os moradores de Laranjeiras, por exemplo, já sofreram mais de uma vez e, principalmente, já presenciaram o que a polícia faz contra manifestantes ou não, Black Blocs ou não. A violência da polícia militar do Rio de Janeiro - a mais violenta do mundo - já não se restringe às favelas e/ou aos bairros do subúrbio, locais onde, desde sempre, a polícia fez o que quis porque, no final das contas, os mortos eram negros, pobres e, no frigir dos ovos, traficantes. Mais uma vez se justificaria a ação criminosa de nossa polícia, pelo menos aos olhos de uns. 
O que me surpreende mais não é a violência da polícia em si. Muito menos ela agora ser praticada, aos olhos de todos, no Centro da cidade e na zona sul. O mais espantoso é ainda haver um número grande de pessoas que se calam diante dos abusos cometidos. É claro que a mídia hegemônica vem cumprindo seu papel e alienando a população - que se deixa alienar, convenhamos. O discurso de que a Rede Globo e demais veículos midiáticos iludem seu público é verdadeiro, por um lado, mas extremamente paternalista, por outro. A internet está aí para mostrar um outro ponto de vista ao qual qualquer um pode ter acesso. As pessoas estão na rua dividindo experiências, basta se dispor a ouvir criticamente o que acontece, de ambos os lados, e deixar de ser refém da televisão. Basta abrir os olhos.
Voltando aos atos criminosos de nossa polícia nas favelas e comunidades mais carentes, sempre foram justificados porque eram uma resposta ao crime organizado. Bandido bom é bandido morto, dizem por aí. Nesse caso, nada mais lógico do que criminalizar os protestos. Pronto, os Black Blocs são vândalos, são criminosos que depredam fachadas de bancos e de lojas, chegam mesmo a quebrar pontos de ônibus, arrancar placas e lixeiras, além de atiçar fogo no lixo. E ainda usam máscaras, ícone máximo de que não são bem-intencionados. Está justificada a violência policial, portanto. Acontece que não é isso o que ocorre e vou dar a minha modesta opinião, que, para ser mais bem embasada, precisaria de muito mais espaço do que aqui disponho.
Para ficar apenas no que diz respeito à PM, falo como testemunha e participante de várias manifestações que ocorrem de junho para cá. É mentira que a polícia quer apenas dispersar os manifestantes, simplesmente porque ela os cerca e os ataca de todas as direções. Não há para onde correr, possibilidade de dispersão, ponto de fuga. Cinegrafistas e pessoas da imprensa alternativa são ostensivamente reprimidos, sem falar nos advogados. Ora, um país democrático garante a liberdade de imprensa, por que, então, deve-se reprimir os midialivristas nas ruas? Seria porque eles mostram o que a imprensa oficial esconde? Isso lembra que período da nossa história? Mais do que acabar com a manifestação, a impressão que se tem é que a intenção é acabar com os manifestantes. Depois, basta rotulá-los como vândalos, do mesmo modo que se rotulava o negro pobre de traficante. E aí ficam elas por elas. A polícia simplesmente cumpriu seu papel e o desconforto que as imagens podem causar desaparecem com os comerciais ou com a novela que vem a seguir. E se continua (sobre)vivendo normalmente no dia seguinte.
Todavia, a atitude da PM, por mais bárbara que seja, não é a mais preocupante. Simplesmente porque ela cumpre ordens. E ordens de um governador eleito e reeleito pelo voto direto, prática vigente nas democracias. Mas um estado que não permite oposição política e que volta, em muitos aspectos, a se comportar ditatorialmente está cometendo uma violência muito mais grave do que a da PM, sua subordinada. Não há diálogo, não há explicações convincentes, não há pronunciamentos televisivos - há apenas silêncio. O mesmo silêncio que grita de Brasília, capital de um país que tem como presidente uma mulher que lutou contra a ditadura militar. É muito triste um partido com a história do PT formar alianças que visam o interesse dos mesmos de sempre - a classe dominante. O trabalhador? Contenta-se, quiçá, com um trabalho que lhe permita pagar as contas no fim do mês, sem seus direitos básicos garantidos. 
Os professores, tanto do estado quanto do município, lutam pela educação. Mas educar para que o povo? É melhor que ele se contente com um poder de compra maior no fim do mês. Ensinar o povo a pensar é perigoso. Parece ser esse o raciocínio de nossos governador e prefeito. Este último, inclusive, já declarou que não matricularia seus filhos numa escola do município. Educação de qualidade para os filhos dos outros é luxo, não é direito, muito menos necessidade. E continua obstinado a não dialogar. E, com isso, o povo continua incansavelmente indo às ruas, com a mesma obstinação. Nesse ponto, fecha-se o círculo, pois a resposta é, novamente, a violência policial. A violência política, no final das contas, haja vista que vivemos hoje um estado de exceção no Rio de Janeiro. 
O povo não quer só vinte centavos. O povo quer educação, saúde, transporte público, segurança, moradia, alimentação, lazer padrão FIFA. O povo quer que Sérgio Cabral vá com Paes. A propósito, o que se espera tanto para votar seu impeachment? Mas isso já é outra história. A população do Rio de Janeiro não quer mais nosso governador no poder, e ele já demonstrou incompetência e motivos suficientes para ser retirado do cargo. Enquanto ele permanecer no Palácio Guanabara e, além disso e principalmente, as reivindicações populares não forem ouvidas, o povo voltará à rua, com repressão ou não.