sábado, 20 de julho de 2013

Estamos no caminho certo?

Desde que as manifestações eclodiram por todo o país, aqui no Rio de Janeiro tivemos momentos muito expressivos, como as passeatas da Rio Branco e da Presidente Vargas, por exemplo. Nelas, também e infelizmente, houve repressão e violência policiais, mas havia muita gente nas ruas explicitando seu descontentamento com os rumos de nossa política.
As manifestações continuam a acontecer, mas cada vez mais o número de participantes é menor. Penso que essa diminuição revela que há alguma coisa de errado acontecendo. Por que as pessoas que encheram o centro do Rio têm optado por não mais sair às ruas? Por que mais e novos cidadãos não se sentem motivados a aderir aos protestos? 
Uma primeira e pronta resposta poderia ser a violência com a qual a PM tem reprimido os manifestantes e a repercussão negativa que os "vândalos" causam na opinião pública. É uma resposta possível, mas não me convence. Sou da opinião, aberta a mudanças, naturalmente, de que a forma com que os protestos se articulam não tem sido produtiva para ninguém. Talvez apenas para o governo, haja vista justamente a maneira inamistosa como a população em geral tem encarado os atos de "vandalismo". Não tenho a ilusão de que a maioria das pessoas acompanha o que de fato acontece à luz da imprensa alternativa, ao contrário do que pensam alguns amigos. Para mim, infelizmente, ainda é a imprensa institucionalizada quem filtra o que deve chegar ao público - e o filtro é extremamente tendencioso e de direita.
A grande imprensa já deixou claro de que lado está e, a cada confronto que houver com a polícia, mais munição disparamos contra nossos próprios pés. A meu ver, por mais legítimas que sejam as nossas reivindicações, precisamos urgentemente encontrar outra maneira de reclamá-las, pois o embate com a PM só tem nos enfraquecido. Penso que há uma necessidade premente de cooptarmos mais e mais pessoas para o nosso lado, de maneira a conseguirmos atingir as mudanças urgentes de que o país necessita - em uma palavra, temos que trabalhar, também, como formadores de opinião e, para isso surtir efeito, os confrontos precisam parar. Em hipótese alguma estou sugerindo que não devemos ir às ruas e que nos resta a resignação, mas creio que uma mudança de pauta é importante no momento. A repressão é a tônica em toda manifestação. A polícia não está presente para proteger a população, ao contrário, sua presença se dá para nos atacar e desmoralizar, o que tem sido muito bem feito com a pronta ajuda dos meios de comunicação.
Dessa maneira, o foco tem se desvirtuado. Ao invés de falarmos de nossas reivindicações originais - e são muitas -, perdemos tempo reclamando da truculência e do despreparo da polícia. Ao apontarmos o holofote para isso, desviamos a luz do que nos motivou a ir às ruas, e para o poder vigente isso é ótimo, seja porque é a direção apontada pela imprensa, seja porque é a revolta dos manifestantes. E aí desconfio que muitos dos manifestantes que ainda vão protestar o fazem catarticamente, de maneira a liberar o descontentamento e a indignação mais do que justas com o governo. Acho que é hora de repensarmos nossas pautas e as formas de protesto.
As manifestações organizadas em torno da visita do papa e da Jornada Mundial da Juventude, por um lado, darão muita visibilidade aos manifestantes, possivelmente pressionando mais ainda o governo de Sérgio Cabral, mas, por outro, um confronto com a polícia num evento, mais do que internacional, religioso num país predominantemente católico pode conferir à imprensa a pecha que faltava para assegurar a opinião pública de que não passamos de "vândalos" que nem o direito constitucional de escolha religiosa respeita. Enfim, reitero que precisamos agir mais com a cabeça do que com a força, mas ainda assim agir. 
Não faço parte de nenhum grupo, mas utilizo a primeira pessoa do plural porque concordo com as reivindicações gritadas nas ruas e porque, num confronto entre o povo e o governo, estarei sempre ao lado da população, dela faço parte e nosso inimigo é o mesmo. Este texto não pretende conter a verdade final sobre os fatos, estou aberto para dialogar e, caso julgue pertinente, mudar de ideia. Ele foi escrito, porém, porque, como já disse, acredito que estamos insistindo em prosseguir por um caminho que tem se mostrado ineficiente. Lembremo-nos que ano que vem haverá eleições e não podemos correr o risco de fortalecer o governo, mesmo que isso se dê (in)diretamente via opinião pública. 

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Truculência de ambas as partes?

Relutei o quanto pude em vir aqui escrever sobre as manifestações que ocorrem pelo país à fora por três razões principais: i) quando os protestos iniciaram, acredito que todos ficamos sem saber ao certo como categorizar tanto os manifestantes, apartidários, sem líderes, e de várias frentes diversas, quanto as próprias manifestações em si. Muito se discutia a esse respeito, cientistas políticos e sociais, assim como intelectuais de diferentes áreas, buscavam uma reflexão que encontrasse respostas ao que acontecia no país, mas todas as teorizações ainda me pareciam insuficientes; ii) muito já havia sido escrito por pessoas com mais gabarito do que eu e não estava disposto a, simplesmente, repetir o já dito, reforçar as dúvidas para as quais ainda não havia respostas etc.; iii) como eu ainda não havia podido participar, diretamente, de nenhuma das manifestações aqui no Rio de Janeiro, sabendo das barbaridades cometidas pela polícia pelas redes sociais e pela Mídia Ninja, não me sentia apto a falar sobre o assunto. Era como se eu, agindo assim, pegasse carona na dor e militância alheias para, no conforto da minha casa, tecer argumentos sobre o modus operandi da polícia repressora e da população cansada e indignada. 
Hoje, porém, meu sentimento é outro. Não, não tenho uma resposta definitiva sobre as manifestações e acredito que não vou dizer nada de novo. Escrevo, porém, porque ainda dói. 
Morei por aproximadamente 27 anos na Rua Pinheiro Machado, em frente ao Palácio. Criança, frequentava o parquinho que havia lá e que cedeu espaço a um estacionamento. Ontem, não fui para uma diversão infantil, mas para contribuir com minha voz. A liberdade de expressão e manifestações contra o governo são legais, não? 
Ainda no Largo do Machado, a concentração transcorreu na mais perfeita ordem e, ordeira, seguiu pela Rua das Laranjeiras em direção ao Palácio. Duas coisas me chamaram atenção no caminho. A grande quantidade de pessoas nos apartamentos que apoiavam a manifestação, piscando as luzes de suas casas, foi um dado positivo. O negativo, por outro lado, foi o comércio fechando as portas às pressas, receosos do "vandalismo de uma minoria", como noticiam os telejornais. Sobre este último aspecto, tenho ouvido e conversado com pessoas que acreditam que há truculência de ambas as partes. Não sei se essa crença é embasada no noticiário, mas é um discurso que percebo bastante ressonante ainda. Ora, é sabido que, entre os manifestantes, há grupos de extrema-direita dispostos ao enfrentamento, como provavelmente também há gente infiltrada para desestabilizar e enfraquecer o movimento. As notícias veiculadas pela mídia televisiva, em especial a Rede Globo, é de que a polícia apenas reage a um primeiro ataque vindo dos manifestantes e age apenas para dispersar a multidão. Isso é mentira! Mesmo que o primeiro ataque de fato parta da população, a reação da PM não é demasiada arbitrária? Ademais, os mantenedores da lei e da ordem estão equipados dos pés a cabeça, possuem armas letais e escudos, além de carros, motos, blindados, em contraste com os "vândalos".
Mas se há, no meio dos participantes, gente de extrema-direita e/ou extrema-esquerda, engrossando o coro contra o governo do senhor Sérgio Cabral, penso que isso é um sinal ainda mais assustador. Haveria alguém contente com seu governo?! Tenho grande curiosidade em saber o que pensa a maioria da população, sem uma conscientização política e, portanto, mais facilmente manipulada, sobre o referido governo. Por mais gente que vá às ruas, a grande maioria da população permanece em suas residências e não tem acesso às  redes sociais ou à cobertura feita pela mídia alternativa, que vem dando um espetáculo. E, para piorar, essa massa tem um acesso distorcido do que ocorre nas manifestações pela grande imprensa. Será que a retomada do espaço anteriormente ocupado pelo narcotráfico já é um indício, para parte da população, de que o governo é bom e está ao lado do povo? Será que a Copa e as Olimpíadas são consideradas marcos de uma vitória do governo em prol da população? No caso das UPPs, o buraco é mais embaixo. Se houve realmente uma retomada do espaço, por que o tráfico ainda persiste? Por que o senhor Beltrame dizia, sempre que podia, não ser prioridade da polícia acabar com o tráfico? Por que não? A quem o tráfico interessa, no final das contas? Honestamente, gostaria muito de saber o que as pessoas que não vão às ruas acham.
Independente do que possam pensar as pessoas que não saem às ruas para protestar, muita gente tem saído. Ontem à noite, um grupo estava em frente ao Palácio Guanabara. Não havia, como era de se esperar, nenhum representante para dialogar, apenas tentativas inúteis de um oficial (não sei sua patente) em dizer, com um megafone cujo som era muito baixo, que estava ao nosso lado. Desconfio, inclusive, que isso não passou de manobra midiática, pois vi na televisão (Globo) o referido policial discursando como se realmente se importasse conosco. Tudo ia bem até que, de uma hora para outra, começou o enfrentamento. Posso estar enganado, mas desconfio que partiu de fato dos manifestantes o primeiro rojão contra os policiais, que rapidamente agiram não de maneira a dispersar a multidão, mas de nos exterminar, essa era a impressão. (Breve parênteses: quando desconfio que saiu da parte dos manifestantes, me refiro a um grupo específico e, em hipótese alguma, coloco todos sob o mesmo paradigma). O trecho da Rua Paissandu entre as Ruas Pinheiro Machado e Ipiranga foi bloqueado pela PM, impedindo justamente que nos dispersássemos. Ficamos encurralados e, mesmo assim, bombas, tiros e muito gás não paravam de ser lançados.
Hoje, conversei com algumas pessoas que se referiram, mais uma vez, à truculência de ambas as partes, pelo simples fato de lixeiras terem sido queimadas. Bem, elas foram queimadas como uma tentativa de barricada, para que pudéssemos fugir, o que se mostrou ineficiente porque a PM seguia adiante com motos, lançando mais bombas, tiros e gás. De volta à Pinheiro Machado, fomos atacados por um carro sem nenhuma identificação que disparou inúmeras bombas, enquanto as motos continuavam a perseguição, que se estendeu por Botafogo, Flamengo e Laranjeiras. Truculência de ambas as partes? Não, isso não aconteceu. A polícia agiu assim, tacando bombas (!!) em hospitais, em bares, em residências e em manifestantes (!!) Definitivamente, não posso concordar que houve truculência de ambas as partes. 
Nasci em 1974, em plena ditadura militar, mas não vivi o horror daquela época, era tão-somente uma criança, mas, enquanto fugia pelas ruas noite passada, sendo caçado, acuado e oprimido, me perguntava se de fato vivemos numa democracia. Vivemos? O que explica o governador do segundo mais importante estado do país ordenar a barbárie em plena cidade, aos olhos do tráfego e dos moradores no alto dos prédios, que assistiam a tudo horrorizados? É inaceitável que ele apenas diga que lamenta a ação de vândalos isolados, como é inaceitável o completo silêncio dos meios de comunicação. 
Até pouquíssimo tempo atrás, a PM restringia sua violência e covardia às favelas e fingíamos que nada víamos. Acontece que não estamos mais dispostos a fechar os olhos seja para onde for. A classe média, especialmente da zona sul, sempre foi poupada das arbitrariedades de nossa polícia, uma pena, visto que o tratamento deveria ser o mesmo para todos. Nem mais ela, porém, está a salvo agora. A repressão está sendo democraticamente oferecida a toda a população, da Maré ao Leblon. Só que não estamos mais interessados em, dia após dia, assistirmos ao que nossos políticos fazem com resignação. Não, chega! Não queremos Copa do Mundo, queremos dignidade; educação; saúde; transporte; moradia; alimentação. E não queremos padrão Fifa, queremos à brasileira mesmo, desde que reconstruamos nosso país, que consigamos finalmente reformas políticas e representantes dignos de ocuparem seus cargos. Lamentavelmente não é isso o que ocorre, desde sempre. Cansamos. E estamos dispostos a prosseguir. Sem a truculência da qual nos acusam, esta é parte da PM, subordinada ao governo do estado, fique claro. 
Enfim, escrevo este texto porque ainda dói. As lembranças ainda são muito recentes e a dor não é física. A violência da polícia ontem, como nas demais manifestações, nada mais é do que o reflexo da violência de nosso governo. Não estão satisfeitos, parece querer dizer o senhor Sérgio Cabral, acabem com eles. Escrevo porque dói, porque estou indignado e porque, agora, não me resta outra coisa a fazer. Já era hora deste blog bastardo ser reativado mesmo.