domingo, 13 de outubro de 2013

Black Bloc e a discussão improfícua

Hoje o Fantástico apresentará uma matéria sobre os Black Blocs, com a entrevista de um dos integrantes da tática que assume a perda de controle nas manifestações. Naturalmente, qualquer pessoa com o mínimo de senso crítico não irá aceitar como "verdade" o que for veiculado pela Rede Globo, haja vista o grau de descompromisso com a imparcialidade da emissora. Desconfio, inclusive, ser de fato um Black Bloc a dar a entrevista. Não pretendo, com isso, dizer que os Black Blocs devem ser aceitos por todos e quem os critica ou é reacionário ou fascista ou de direita. Mas mesmo as pessoas que discordam dos Black Blocs sabem que não é possível confiar na emissora dos Marinho. Suas críticas podem ser justificadas por outros caminhos, menos pela alienação.
O que me chama a atenção ainda hoje, de forma bastante negativa, é a crescente polarização das manifestações entre violência da polícia de um lado e quebra-quebra de uns "vândalos", de outro. Quando o "gigante acordou", a população ia às ruas reivindicar o que lhe é de direito: saúde, educação, transportes, segurança, alimentação, moradia, empregos padrão FIFA. O país do futebol não quer mais ser o melhor nas quatro linhas e permanecer sem condições mínimas de uma vida digna. O dinheiro gasto nos estádios não seria melhor empregado para o bem-estar dos brasileiros, que sofrem em filas de hospitais com atendimento precário, por exemplo?
Diante do descontentamento explícito dos brasileiros, a primeira conquista chegou: a redução dos vinte centavos nos transportes públicos. Mas não eram só os vinte centavos que estavam em jogo. O que foi feito? Uma velha arma foi posta em circulação antes que novas conquistas surgissem por conta da pressão popular. Criou-se um novo problema para suplantar a causa primeira das manifestações. Assim, ao invés de discutir as políticas públicas deficitárias, começou a discussão sobre quem é mais violento: polícia ou manifestantes. E a cada dia que passa ambos os lados gastam tempo e energia para provar quem é mais violento e/ou quais são as melhores formas de reivindicação. Enquanto isso, nossos governantes permanecem sem dar as caras em público e sem serem efetivamente incomodados. 
Eu mesmo tenho perdido precioso tempo dialogando com pessoas que nunca foram às manifestações mas que têm teorias para tudo o que acontece. Nenhum problema com as teorias contrárias às minhas, mesmo porque não sou dono de verdade alguma, mas toda a discussão gira em torno de seu próprio rabo e não avança: sim, os Black Blocs são vândalos e utilizam máscaras porque têm algo a esconder; não, foi o Batalhão de Choque do governador que mais uma vez provocou o conflito, está filmado, todos podem ver. E enquanto não há vencedores nessa disputa retórica, o padrão FIFA restringe-se apenas aos nossos estádios de futebol.
Mesmo com toda essa discussão muitas vezes improfícua, ainda assim conseguimos avançar em alguns pontos: recentemente foi concedida liminar suspendendo a votação do plano de carreira dos professores, por exemplo; mais e mais a sociedade civil tem se organizado em coletivos dispostos a lutar por suas ideologias; até mesmo a Rede Globo se viu obrigada a mostrar um lado da história que vinha sendo escamoteada deliberadamente; vozes até então nunca ouvidas passaram a ser representadas e representativas.
Eu tenho participado ativamente das manifestações nas ruas e também sou um dos que têm perdido tempo na discussão sobre os Black Blocs nas redes sociais. E estou cansado disso. Ora, discordar da tática dos mascarados e aceitar a nossa política pública são coisas diversas. Ok, discorde, mas qual a proposta que você tem a oferecer para que a voz do povo seja ouvida? Será que estamos tão habituados a não termos nada que a violência da PM em favelas não nos incomoda, pois sempre foi assim mesmo? Que passar horas na fila de atendimento ou morrer num hospital sem nem sequer ter uma maca para deitar já é parte da rotina? Que dia após dia ficar parado na SuperVia por carência de trens não chega a ser um problema porque não atinge a classe média? 
Particularmente, não tenho nada contra os Black Blocs, apesar de ter alguns senões sim, mas me sinto muito mais seguro na companhia deles nas ruas. Mesmo que eu admitisse, hipoteticamente, que eles são baderneiros e que têm como único objetivo vandalizar a cidade, significa dizer que, na ausência deles, não temos do que reclamar? Nenhum manifestante é causa do problema, mas sim sua consequência. Vamos parar de correr atrás do próprio rabo e continuar a exigir saúde, educação, transporte, segurança, alimentação, moradia, desmilitarização da polícia etc. etc. O país não está em crise por causa das manifestações; estas existem porque o país está em crise. Para finalizar, quem tem coragem de dizer que, se não houvesse Black Blocs, não teríamos do que reclamar?

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